sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A mulher que não tinha nome...

Aquela senhora sentada na calçada todos conhecem, apesar de lhe negarem o olhar. Todos da cidade já foram abordados pela velha, que pedia esmola com uma cara de choro. Mesmo assim, ninguém sabia seu nome ou sequer conhecia a história que antecede aquela situação dramática a qual se acomodara. Uma mulher sem futuro e sem passado. Alguns diziam que ela era uma pessoa normal e que desistiu da vida que tinha, se rebaixando ao cotidiano humilhante. As noites na praça eram regidas por uma pequena quantidade de iluminação pública, que se transformava em atrativo para casais de namorados e más companhias. Para aquela senhora, apenas um cobertor velho a protegia daquele mundo sombrio.

Ela dormia, agarrada a uma garrafa. Ninguém sabe ao certo o que sonhava. Ninguém conhecia sua perspectiva de vida. Era apenas ela, vivendo sua própria vida solitária em um universo que não era o seu. Se não acordasse na manhã seguinte, sabe-se lá quanto tempo demoraria até perceberem.

Aquela tosse rouca coçando a garganta causava desconforto. Ouviu passos de alguém se aproximando, mas não sentiu-se assustada. Na verdade, o som produzido pelo salto despertou curiosidade. Aquela praça não era um local indicado para passeios noturnos.

A velha demonstrou espanto ao perceber quem se aproximava e tentou disfarçar a emoção contida naquele encontro. Se sentou ainda segurando a garrafa. O olhar buscava sempre o chão, como se sentisse dor ao enfrentar os olhos da moça que se sentava ao seu lado:

- Trouxe umas roupas - Disse a moça deixando uma sacola no chão, entre as duas.

A senhora puxou a doação para próximo dos pés e agradeceu desconcertada. As duas ficaram em silêncio, sentadas no banco da praça mau iluminada:

- Eu passei ontem de carro por aqui e vi a senhora... Eu preciso ir. Só queria ver se estava bem.

A moça se levantou aflita. O momento parecia incomodá-la também:

- Adeus - Disse enquanto se afastava da velha sentada.

Ela olhou para a garrafa e a apertou, como se sentisse uma forte contração:

- Como ele está?

A moça parou e deu um sorriso, que foi rapidamente consumido pela dor que a lembrança parecia trazer:

- Ontem ele disse a primeira palavra. Ele falou "mãe".

A velha sorriu enquanto seus olhos lacrimejavam:

- Ele é esperto como o pai era.

- É sim - Respondeu a moça, também emocionada com a conversa - Eu realmente preciso ir.

- Eu entendo. Não se preocupe. Obrigada.

- Se precisar...

- Não. Não se preocupe. Estou bem. Sério.

A moça ainda tentou esconder a preocupação enquanto saia, a realidade é que as duas tentavam demonstrar superficialidade. A velha a assistiu partir e fuçou a sacola. Encontrou um agasalho, que vestiu no mesmo instante. Mais no fundo da sacola achou uma foto de um bebê, na qual ficou minutos parada olhando. Após isso, deitou-se e dormiu agarrada a garrafa. Ninguém sabe ao certo o que sonhava. Era apenas ela, vivendo sua própria vida solitária em um universo na qual era hóspede indesejada.

Um comentário:

JoeFather disse...

Cara, emocionante, real, portanto tocante ao extremo!

Abraços e parabéns pela sensibilidade!