terça-feira, 8 de outubro de 2013

Cotação do desvalorizado "público"...

Engraçado como o público tem um ar de desvalorizado. Internet, saúde, educação... Basta colocar "pública" após a palavra e ela perde seu valor ético e social. Salvam-se as faculdades, que ganham credibilidade e podem beneficiar a população (que estudou em escola particular. Faz sentido?).

Com o transporte, não podia ser diferente. No ônibus público, o povo sonha em ter seu veículo particular. No carro, sonha em se libertar das estradas públicas intransitáveis. Enfim, não encontramos no público o mesmo estímulo que algo particular provoca (e olha que o particular também não é lá uma coisa de muita qualidade). Opinião pública? Acho que nem preciso falar sobre isso... Basta olhar para o Congresso e ver o que o "público" pode eleger.

O pior é que, em 90% dos casos, dependemos do público. Hoje mesmo tive que enfrentar os desafios de um transporte "não particular" (para não ser o "desvalorizador"). A chuva não me deixou fazer o meu percurso de 15 minutos de caminhada diário. Saí do metrô e fiquei preso no Centro de Taguatinga. Percebi o ônibus parando no semáforo, mas as ruas estavam alagadas demais para atravessar. Continuei no meu abrigo improvisado vendo o veículo parado. Tão perto e tão longe. A luz verde permitiu que se aproximasse mais, até parar em um outro semáforo. Foi a oportunidade que eu aguardava para sair do meu esconderijo, feito uma onça atrás da presa. 

Corri cerca de 10 metros na chuva e parei na frente da porta do veículo p... (para não dizer público). A porta permaneceu fechada. Bati com tranquilidade no vidro da porta e algumas pessoas alertaram o motorista da minha presença. Pelo sinal negativo feito com a cabeça, percebi que não abriria. Saí da calçada e fui para a frente do ônibus, visualizando melhor a cara do condutor do transporte p..., mas ele me ignorava. Voltei para a calçada e fiquei cerca de dois minutos (que é um tempo longo para ficar na chuva) tentando encontrar uma explicação para ele não abrir a porta. Seria algum fiscal escondido na chuva? Olhei para um lado e para o outro procurando-o. Alguns passageiros riram com o meu tom irônico e se sensibilizaram, mas o motorista não se abateu em nenhum segundo.

O semáforo abriu e no roteiro surgiu uma cena meio de Titanic. Lá se vai o p... se perdendo entre os outros veículos. O bueiro cheio de lixo mostrava o valor que a comunidade dava para as ruas p... da cidade. Com esforço, cheguei à parada e entrei em um ônibus lotado. Dei a volta turística no Centro de Taguatinga e desci do transporte p..., mesmo não sendo ainda a minha parada. Tratava-se de algo comum para quem depende do p... todo dia. Lá estava eu na chuva novamente esperando outro p... para chegar em casa: 

- Vamos por fogo no ônibus! - Disse um bêbado acendendo um esqueiro.

- A chuva certamente ajudará a propagar a chama - resmunguei, arrancando risos de quem ouviu o murmuro.

Já ouvi pessoas afirmando que iam ao hospital particular sem mérito. "Pelo menos lá podemos cobrar, pois estamos pagando pelo serviço", diziam. E quem foi que disse que não pagamos pelo atendimento no hospital p...? E acabamos pensando o que o sistema quer de nós. Pagamos para um médico p... que atende em seu consultório particular:

- É ridículo! No Recanto das Emas tem ônibus novo! Até na Estrutural tem ônibus novo! - Continuou o bêbado revolucionário.

- Muda pra lá então! - Respondeu alguém que entrou antes pela porta traseira do veículo.

- Eu quero o melhor pra minha cidade! Não quero mais miséria! Não tenho uma Mercedes na minha garagem, nem ar condicionado no meu quarto! Sou pobre, mas mantenho o salário de quem é rico! Onde está a igualdade?

Enquanto o bêbado gritava seus erros de português previstos pelas regras ortográficas, alguns aplaudiam. Outros não demonstravam nada além do cansaço cotidiano. Alguém poderia até sonhar com o seu transporte particular. As propagandas publicitárias de concessionárias ditavam que aquilo era a solução. Nos restava apenas o berço do terceirizado. Não sei se somos meros filhos da vida privatizada ou simples filhos da p... mesmo. 

Se nós não damos valor para o público, quem garante que os políticos darão?

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